sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Capítulo 1: Perdendo as sombras.


Se Jorge não soubesse que estava naquela cidade deserta, certamente pensaria ter chegado ao fim do mundo. Ás três da madrugada, embriagado e solitário, andando pelas ruas mal asfaltadas e tortas, entre árvores com as copas tocando os céus, ele ajoelhou. Por ironia do destino, ele estava numa rua em forma de cruz.
Pensou em Ana, o quanto ele a magoou. E o quanto era hipócrita. Ela foi embora e ele apenas refletia insanamente sorridente, que ela jamais saberia quando ele dormiu com a irmã dela. Cinco anos de amor, dor, raiva, cura e cicatrizes tinham-se cessado. Seu emprego era uma merda, também refletiu. Enquanto passava as mãos sobre os cabelos suados da embriaguez se lembrava o quão caro pagou sua faculdade e o quão péssimo arquiteto ele era. Um abutre numa casa ao final da rua o olhava incessantemente, como se tivesse o dom de bicar a sua alma. Será que se lhe desse o fígado, ele voltaria a crescer como a maldição de Prometeus? Certamente uma cicatriz faria com que sua dor tivesse valor.
Lembrou-se de sua avó. Morreu quando ele ainda era adolescente, tinha lá seus quinze ou dezesseis anos. Ela vivia cercada por amigas da igreja e sempre dizia que ele tinha o demônio no corpo. Ela sentia que ele devia ser exorcizado. Não se importava tanto, ela tinha Alzheimer. No entanto não negava normal nunca tinha sido. Ouvia vozes desde pequeno, sussurros aterrorizantes, gritos e sentia cheiros, normalmente de sangue.
Por ironia do destino estava ouvindo algo naquele exato momento. Um sussurro baixinho, um ruído incômodo: "Por que você não tenta? Sua avó sabia você sabe. Aquela sua mãe que te largou sozinho com ela também sabia. Se você quer crescer, diga sim. Entregue a sua alma. Só um tantinho, um pedido sincero, aqui é um bom lugar para isso. Confie em mim, eu sei. Vai fundo." Passou a mão pelos cabelos, apreensivo. Era louco? Só podia. Ele sabia que não valia nada, sabia que não tinha futuro. Largado, jogado. Foda-se, o que será que deveria fazer? Não acredita nessas merdas, não quer acreditar nem em seu consciente, quanto mais que se vender sua alma do Diabo ele será recompensado. Mas naquela embriaguez, que diferença faria? Será que pelo menos ele conseguiria acalmar a sua mente? "Vamos, vá, você sabe que pode, eu sei que pode". Zunindo, mais e mais, sua cabeça doía.
Já ajoelhado, ele se prostra totalmente e decidi por fazer. Talvez seja como uma homenagem a sua enlouquecida avó. "Siga as minhas palavras", sua mente sussurra.
- Diante do profundo ganho que terei ao proferir essas palavras, entrego a minha alma a você, Lorde das Trevas. Uma troca justa, a qual eu ganho fortuna, carreira e tudo aquilo que todos não quiseram me dar. Entrego a minha alma e ganho o maior dos prazeres.
Ele caiu em lágrimas, caiu em choro. Não compreendi, desmaiou da dor no peito e da embriaguez. Quem passasse por ali talvez não continuasse tão cético quanto Jorge, pois dele saiu àquilo que provavelmente atormentou a vida de sua avó, um espírito levanta-se do corpo decaído do jovem e segue adiante, em direção a um clarão. Um espírito negro, sujo e que provavelmente dominaria qualquer um dos seus medos.
Uma velha sai de sua casa humilde. Ela vê o jovem, mais um jovem, jogado sobre a areia e a rua craqueada pelo trabalho mal-feito. Ela que morava na ponta da rua em forma de cruz, desdentada pelo tempo e sábia pelos seus medos, só conseguia suspirar. Algo ocorreu ao horizonte, ela imagina. Perto da mansão que indicava o final da cidade, uma luz acende. Uma luz em uma mansão de 140 anos abandonada. Inusitado, imaginou, porém não assombroso para aquela rua em forma de cruz. Virou seu olhar para o chão novamente, não conseguiu deixar de pensar naquele pobre moço.
- Coitado, mais um.
Chamou a polícia, que veio buscar o moço pela manhã, já que um moribundo numa estrada deserta não causa tantos problemas. Ela marcou a data, 01/04/1997. Certamente da-li, 15 anos, se veriam novamente. Provavelmente aquela luz, naquela mansão, significa que algo único estava para acontecer.



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